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Entre o Medo e a Luz. 2020: um Diário
註釋

O Diário veio contrariar o enfado, a doença, a moleza do instante, a opressão reinante. Os Diários são animados pelos ventos da viagem. Longas rotas ignotas, “uma pequena luz” na noite do navio, uma candeia no caminho do viajante, a tábua onde escrever cartas de amor e depois a resistência, a percepção do corpo aprisionado, a passagem para o outro lado. Nesse dia em que começamos a escrever todos os dias, somos levados indo e às vezes encantados com a aparição das coisas. Uma corpo-escrito, o exercício da respiração, a observação. Vivo chegado aos ventos do mar. O Zéfro soprando levemente, mas também o Bóreas enrugado nas serranias e promontórios, com o seu modo desgrenhado de tocar as coisas. Olho no alto os céus navegando nuvens. Depois a terra e as suas variações, coisas da água e da arquitectura.

Vivo numa terra misteriosa e nós por cá. Lá vou eu à cidade. Tempo para os jornais falados. Não se pode perder nada. O espectáculo é bom. O humano entendimento que acontece nas cidades. As casas, as histórias e um tempo para a meditação. As coisas que se dizem. Não podemos perder nada, não podemos perder nada. O Diário é um vício, às vezes um instante ou uma fulguração e noutro dia o assunto vem mais longo e denso ou difícil de explicar. Deixamo-nos ir. Aos poucos vão-se juntando fragmentos, coisa vista, impressões, uma fala. Reparo que durante o Diário aparecem os pássaros. Fico contente a escrever, numa espécie de visitação a lugares que julgava perdidos e logo se abre uma porta e se levantam imagens, pequenas coisas que podem acontecer durante o silêncio. A música, a página em branco, a tentação.