Estabelecemos como ponto de partida da nossa história e genealogia o casal Johannes Kuhn e Katharina Gehlen. A partir deles, elaboramos um vasto estudo da descendência até os Kuhn da atualidade. A partir deles, também traçamos a linha de ascendentes e sua história até chegar no Stammvater Johann Kuhn, nascido por volta do longínquo ano de 1510. Johannes Kuhn e Katharina Gehlen vivenciaram um período que se constitui num dos pontos altos da história da civilização ocidental: a Revolução Francesa.
Na pequena aldeia de Hasborn eles viveram todos os momentos de um processo histórico responsável por grandes conquistas e mudanças na vida das pessoas humildes. A posterior reação conservadora e a permanente tentativa dos poderosos de restringir a liberdade e de solapar os direitos conquistados pelos cidadãos alemães culminaram com a tomada da decisão dos filhos e netos de Johannes Kuhn e Katharina Gehlen de emigrar para o Brasil.
Para os pesquisadores de genealogia, uma pergunta se faz necessária: até que época consigo retroceder na busca da linhagem dos meus antepassados? Essa pergunta só pode ser respondida com um mergulho na história da região e, mais especificamente, dos povoados de onde vieram os ancestrais.
Sabemos que os Kuhn, assim como a grande maioria dos imigrantes alemães do Rio Grande do Sul, vieram de uma área territorial da atual Alemanha, situada entre o Rio Reno e as fronteiras da França, Luxemburgo e Bélgica. Essa área é integrada pelas regiões conhecidas como Hunsrück, Vale do Rio Mosel, Eifel, Pfalz e Saarland. Os antigos habitantes desses territórios se originaram da miscigenação étnica de três povos: os celtas, os romanos e os francos. Os celtas não tinham o costume de escrever e tiveram sua história escrita por outros povos e resgatada, principalmente, pelas descobertas da moderna arqueologia. Os romanos deixaram muitos escritos e, mesmo depois da queda do Império Romano do Ocidente, deixaram sua influência através da Igreja de Roma. Os francos se formaram a partir de inúmeras tribos germânicas. Quando eles derrubaram o último bastião do Império Romano do Ocidente, em Paris, no ano de 476, segue-se um longo período obscuro que demarca o início da Idade Média. Os francos não tinham o hábito de ler e escrever. Por isso os povoados da atual Alemanha desaparecem da história durante vários séculos.
Encontrar escritos dessa época sobre nossos ancestrais está descartado. Poderíamos ter alguma chance se tivessem sido nobres, uma vez que os nobres vinculavam ao seu nome o nome do castelo da sua família e se preocupavam em deixar claros os direitos dos herdeiros e eventualmente mandavam confeccionar documentos sobre sua herança. Sabemos, no entanto, que nossos antepassados eram humildes camponeses e, mais do que isso, servos dos senhores feudais, sem nome de família, nessa época. Era um período em que menos de 1% da população da Europa sabia ler e escrever. Este era um privilégio, praticamente, só da hierarquia da Igreja. A maioria dos clérigos era treinada apenas para dizer orações em latim, as quais eles sequer entendiam.
A partir dos séculos XI e XII a grande quantidade de nomes iguais nas cidades gera confusão e algumas pessoas começam a acrescentar apelidos e nomes de família ao seu nome. No período do Renascimento expandiu-se a criação de escolas. A tradução da bíblia para o alemão, feita por Martin Luther, fundador do protestantismo, foi algo revolucionário. Incutiu nas pessoas comuns, com sua profunda religiosidade da época, a vontade de ler a bíblia. Nessa época começa a se tornar mais frequente a existência de anotações sobre pessoas comuns. Os senhores, com o auxílio de seus notários, começam a escrever registros sobre seus servos: listas de moradores dos povoados, visando o recolhimento dos tributos; anotação de sentenças e punições; listas de posseiros das glebas de terras e a transmissão delas aos herdeiros. Assim, com muita sorte, a partir de 1500 temos chance de encontrar alguma anotação sobre nossos antepassados. Ainda mais, se eles tivessem sido nomeados pelos senhores para alguma função administrativa no povoado.
Os Kuhn originários de Hasborn têm a sorte de terem chegado até nós a lista de impostos de Hasborn do ano de 1542 e um documento de 1545 com as anotações sobre o direito consuetudinário na jurisdição de Hasborn. Um dos protagonistas do conteúdo desses dois documentos é “Johann, da família do Kuhn”. Entre os dez chefes de família de Hasborn, na época, só existe esse único Kuhn. Por volta de 1600, continua uma única família Kuhn em Hasborn, a de Clas/Claus Kuhn. Após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), sobrevive apenas a família de Adam Kuhn em Hasborn. A partir dessa época, começa a haver um crescimento muito grande da família Kuhn e se torna difícil estabelecer uma genealogia exata, na falta de registros paroquiais.
Voltamos a Johannes Kuhn, nascido em Hasborn no ano de 1787, filho de Nikolaus Kuhn e Maria Maldener e neto de Nikolaus Kuhn e Anna Maria Jäckel. Ainda menino, Johannes Kuhn viveu com seus pais, o burburinho das grandes transformações históricas da época. A opressão dos senhores era tanta que, na região de St. Wendel, os alemães não opuseram resistência à chegada das tropas de ocupação francesa. Com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a Revolução Francesa pôs fim a séculos de servidão do regime social feudal. Os nobres perderam seus privilégios e sua aliada, a Igreja Católica, teve reduzida drasticamente a sua influência no controle da vida das pessoas. Apesar das tropelias das tropas francesas de ocupação, as vantagens foram incontestáveis. Enquanto a nobreza perdia seus privilégios, o homem comum conquistava a sua liberdade e a cidadania e os camponeses se tornaram donos das glebas que plantavam. A sorte das pessoas não seria mais determinada pelo berço do seu nascimento. A República Francesa determinou a obrigatoriedade de todas as crianças frequentar seis anos de escola básica. Foi introduzida a vacina em todas as regiões de ocupação para o combate às epidemias de mortalidade infantil. Para termos ideia do que isso representou, Johannes Kuhn perdera nove dos seus onze irmãos na infância, vitimados pelas epidemias. Apenas ele e duas irmãs sobreviveram. Com o combate à mortalidade infantil e a criação de melhores condições sanitárias, sete dos nove filhos de Johannes Kuhn e Katharina Gehlen atingiram a idade adulta, casaram e deixaram a numerosa descendência, a qual vamos apresentar na segunda metade deste livro.
A ocupação também teve suas desvantagens, a começar pela violência das tropas francesas. Muitos dos soldados eram arregimentados entre os presos libertados. Havia pessoas presas injustamente, mas também havia muitos criminosos comuns que promoviam saques, estupros e incêndios durante a ocupação dos povoados. Além disso, os alemães tiveram que contribuir para sustentar as guerras napoleônicas e todos os que estavam em idade de servir eram obrigados a se alistar e ir para as frentes de batalha.
Com a derrota de Napoleão, os poderosos conservadores, articulados por Metternich, tentaram restabelecer o antigo status quo. As pessoas comuns não poderiam aceitar esse retrocesso. Foi imposta em 1814 uma nova ordem política na Europa. As regiões de fala alemã foram divididas em um grande número de minúsculos reinos para contemplar os grupos mais poderosos dos antigos nobres e indenizá-los pelas perdas da Revolução Francesa. Nesse contexto, dois Estados davam as cartas: a Prússia e a Áustria. Hasborn e Dautweiler passaram a pertencer à Prússia. Como administração local foi criada a Prefeitura de Tholey. Johannes Kuhn era agricultor, mas herdara o espírito de liderança dos antepassados Kuhn. Na década de 1830 ele foi eleito representante do povoado de Hasborn junto ao Conselho da Prefeitura de Tholey (Schöffenrat Tholey). Ele era uma espécie de vereador. Também exerceu cargos na diretoria da Igreja de Hasborn.
Historicamente, os Kuhn eram uma das famílias com melhores condições econômicas e culturais, que exerciam certa liderança entre os moradores de Hasborn. Já no ano de 1545 o nosso Stammvater “Cunen Johan” participa, como um dos administradores da justiça local, de uma reunião, entre os representantes dos moradores do povoado de Hasborn e o representante dos senhores feudais, para reafirmar os direitos e deveres dos súditos, segundo a antiga tradição. A família Kuhn possuía boas terras, próximo do centro de Hasborn, onde existia um belo bosque que leva o seu nome: o Kuhnenwald. Com o passar do tempo, as terras foram sendo subdivididas e já não garantiam mais o sustento de tantas famílias de descendentes de nossos patriarcas.
Os Kuhn sempre foram destemidos e jamais sucumbiram diante das adversidades. Jamais mediram esforços na busca de melhores condições para si e para os seus. Assim, quando não encontraram mais condições para sustentar suas famílias em sua pátria, decidiram construir uma nova existência em outros países, ainda que isso lhes trouxesse a dor de deixar seus amigos, parentes e seu torrão natal. Já bem antes da emigração para o Brasil, as secas cíclicas foram responsáveis pela emigração de vários Kuhn. Por volta de 1730, Nikolaus Kuhn e seus filhos, entre eles Servatius Kuhn, decidem emigrar para a região do Banat, no Baixo Danúbio. Em 1802 uma irmã do nosso antepassado Nikolaus Kuhn emigra com a família para a Hungria. Com o crescimento demográfico, as terras cada vez mais divididas já não garantem mais o sustento das famílias. As secas e as pragas destroem as plantações de batata, o principal alimento dos alemães. Entre os Kuhn, muitos chefes de família buscam trabalho nas minas de carvão para garantir a vida de seus filhos. Com a chegada da Revolução Industrial, as máquinas substituem a mão de obra dos artesãos e seus efeitos são tão desastrosos que jogam milhões de alemães na miséria. A concorrência capitalista nas fábricas e nas minas exige jornadas cada vez maiores dos trabalhadores. Como se isso não bastasse, o pavor das famílias era perder os filhos nas guerras de conquista promovidas pela Prússia. Nesse contexto, milhões de alemães viam suas perspectivas econômicas e sociais se desvanecerem. A fome rondava os lares. Diante da falta de perspectivas em sua terra, os irmãos Kuhn tomam a difícil decisão de buscar construir uma nova vida num outro continente. Grandes contingentes de alemães emigravam para os Estados Unidos da América. Mas, nas localidades da região de St. Wendel, muitas famílias já tinham parentes no Brasil. Isso motivou os irmãos Kuhn e seus sobrinhos a tomarem o caminho da Picada Café, no Rio Grande do Sul.
No ano de 1857 veio de Hasborn o agricultor Johann Kuhn, com sua família. Ele é o filho primogênito de Johannes Kuhn e Katharina Gehlen e pioneiro da família no Brasil. Quinze anos depois, veio Michael Kuhn com sua família. Nascido em Hasborn e agricultor em Bardenbach, nos últimos anos trabalhara nas minas de carvão, para aumentar a renda e garantir o sustento da família. Junto com ele, vieram os sobrinhos Michael, Mathias e Catharina Backes, filhos maiores da irmã Anna Maria Kuhn e do já falecido Joseph Backes. Ainda, em 1872, chegou o sobrinho Johannes Michael Kuhn, filho de Peter Kuhn e Margaretha Backes, que havia lutado como soldado na Guerra Franco-Prussiana. No ano de 1879 foi a vez de Nicolaus Backes, filho da falecida Barbara Kuhn e de Mathias Backes, estabelecer-se no Morro Reuter. Em 1880 chegou Jakob Kreuz, outro sobrinho dos irmãos Kuhn, filho de Maria Kuhn e de Nikolaus Kreuz. Ele veio de Alsweiler, com sua mulher Maria Staub e dois filhos. Por último, veio o irmão mais novo, Nikolaus Kuhn, recém-casado com sua segunda mulher e os seis filhos da falecida primeira mulher. Nicolaus partiu às pressas de Hasborn, sem esperar a licença das autoridades do Império Alemão, por que precisava garantir que todos os filhos emigrassem com ele. O filho Nikolaus prestava serviço militar no exército alemão e os filhos Peter e Michael estavam em idade de servir e, assim, não obteriam permissão para deixar o país. Junto com a família de Nikolaus Kuhn veio, ainda, seu afilhado Nikolaus, filho de seu irmão Peter Kuhn.
Todos os Kuhn vindos de Hasborn estabeleceram-se na Picada Café e arredores. Ainda nos fins do século XIX os descendentes dos Kuhn começaram a migrar para outras regiões em busca de mais e melhores terras para si e para seus filhos. Migraram para diversas regiões do Rio Grande do Sul. Mais tarde, desbravaram regiões do oeste de Santa Catarina e do Paraná. Hoje podemos encontrar os Kuhn em quase todos os estados do Brasil. A tarefa de descobri-los todos é gigantesca, praticamente impossível. Seguramente, são mais de dez mil, podendo chegar a vinte mil descendentes. É relativamente fácil fazer o levantamento das primeiras gerações, concentradas na velha colônia alemã. À medida que os filhos, netos e bisnetos vão se espalhando e as mulheres perdendo o sobrenome Kuhn, as dificuldades se tornam quase insuperáveis. É como procurar agulha no meio de um palheiro.
Esperamos que a publicação deste livro possa contribuir para que a grande família Kuhn, originária de Hasborn, possa se reencontrar para conhecer sua história e celebrar suas conquistas. E também para que os Kuhn possam contribuir no sentido de acrescentar novos nomes à sua genealogia e trazer à luz novos episódios de sua história.